O EXÉRCITO DE UM HOMEM SÓ

E se uma força incrivelmente poderosa, enterrada em algum lugar há milhares de anos, fosse descoberta a postos para agir ao seu comando?

Não faz tanto tempo assim que um grupo de agricultores chineses se deparou com o que mais tarde foi comprovado como sendo uma das mais notáveis descobertas arqueológicas feitas até hoje. O que encontraram, enterrado na região de Xi’an, província de Shaanxi, no coração da China, não era um simples artefato, um vaso ou ferramenta ancestrais, mas, para nossa perplexidade, um exército gigante. Uma impressionante descoberta que logo chamaria a atenção de todo o mundo. Apesar de todo e qualquer pedaço da História, por menor que seja, possuir seu valor intrínseco, aquela descoberta foi absolutamente incomparável, em termos de escala e grandiosidade.

Imagine um exército com mais de oito mil figuras de soldados, cavalos e carruagens em tamanho real, todos feitos de terracota, perfeitamente dispostos em posição de batalha, esperando uma ordem para atacar que nunca foi dada. Foram enterradas ao lado do primeiro imperador da China, Qin Shi Huang, em 210 a.C., para protegê-lo na vida após a morte. O que torna essa descoberta ainda mais fascinante é o nível de detalhe e individualidade de cada figura: não há dois soldados iguais. Cada rosto, cada postura, cada expressão foi meticulosamente esculpida, captando a riqueza da diversidade humana. E, por séculos, permaneceram ocultos do mundo, até sua descoberta nos anos 1970, após uma escavação que conseguiu trazer essa força monumental, mas esquecida, de volta à luz.



A descoberta é uma representação do imenso potencial desconhecido que todos carregamos dentro de nós, das forças e qualidades escondidas nas profundezas, esperando para ser resgatadas. Assim como os guerreiros de terracota, muitos de nós temos forças ocultas das quais não temos consciência. Muitos dos meus pacientes – e talvez muitos de nós – lutam com uma visão depreciada de si mesmos. É comum não enxergarem suas próprias qualidades; não porque não existam, mas porque estão soterradas por camadas e mais camadas de insegurança, traumas e muitas experiências difíceis na vida.

Esses pacientes passam a vida sem conhecer as inúmeras forças e habilidades que possuem. Não apenas não sabem dessas qualidades, mas, principalmente, não acreditam que elas possam existir. Essa visão de si os deixa despreparados para enfrentar os desafios da vida com os recursos que realmente têm e que poderiam melhorar e enriquecer suas jornadas.

Com isso em mente, hoje eu gostaria de falar de um tema que toca cada um de nós, independentemente da idade, origem ou profissão: autoestima. Em essência, a autoestima é como vemos e valorizamos a nós mesmos. Guarda relação com aquela voz interior que ora nos sussurra, ora nos grita, o nosso valor como pessoas: para alguns, é encorajadora e apoiadora, como um fã que aponta as qualidades do seu ídolo; para outros, é crítica, invalidante e carregada de dúvidas.

A autoestima é mais do que sentir-se bem consigo mesmo. É todo um sistema de crenças, uma opinião fundamental do indivíduo sobre seu próprio valor, capacidades e importância como pessoa. Ter uma autoestima elevada não significa que você pensa que é perfeito – nenhum de nós é. Mas significa que você acredita em seu valor genuíno, apesar de todas as imperfeições. Enquanto a baixa autoestima pode fazer com que a pessoa sinta não ser "suficiente", crença que pode levá-la a duvidar, por toda uma vida, de si mesma e de suas habilidades.

Muitos consideram que a autoestima começa a se formar cedo, moldada pelas pessoas ao nosso redor e se inclinando na direção dos feedbacks que vamos colhendo ao longo do caminho. Se favoráveis, construímos um bom senso de valor próprio; do contrário, experimentamos um senso de inadequação capaz de criar raízes profundas dentro de nós. Não tenho dúvidas de que se trata de um autoconceito, determinado pela própria pessoa e também pelos outros significativos. Mas, em relação a esses últimos, prefiro pensar que a autoestima é influenciada não exatamente por aquilo que pensam de nós, mas talvez pelo que pensamos que os outros pensam de nós, que são coisas completamente diferentes. Tanto quanto qualquer outro estímulo que recebemos, a opinião dos outros acerca de nós mesmos, tal qual a interpretamos, também é moldada por filtros internos que dão a tônica daquilo que ouvimos. Esses filtros determinam o quão tendenciosos somos ao atribuir algum sentido, favorável ou não, ao que vem dos outros em direção a nós. E isso se relaciona muito fortemente com o estado da nossa autoestima.

Falando na nossa relação com o outro, penso ainda que a autoestima não se limita a influenciar o modo como interpretamos as críticas, boas ou más, que fazem de nós. Ela também determina o padrão de pessoas das quais procuramos nos manter próximos. É possível que, em determinadas épocas da nossa vida, nos flagremos prendendo-nos a pessoas tóxicas, com emoções desorganizadas e vidas inteiramente disfuncionais. E a razão pela qual fazemos isso é não acreditar que merecemos coisa melhor. Se tenho um mau conceito a meu próprio respeito, como vou crer que eu tenha algo de bom a compartilhar com o outro? A expectativa que nutro acerca das trocas que empreenderei com os outros é uma janela através da qual expomos ao mundo externo a visão exata que temos de nós mesmos. E, ainda que eu procure fugir à sedução das simplificações, posso assegurar que numa tal paisagem é possível encontrar sofrimento psíquico na esmagadora maioria das vezes.

O que nos leva a concluir que a autoestima é um excelente marcador dos nossos níveis de saúde mental. Mas como podemos construir e cultivá-la? Ela não nos é dada ao nascermos – ao contrário, é algo que deve ser cultivado, como um jardim. Pressupõe que paremos para refletir sobre quais são as nossas forças, valores e motivações e assumirmos um conhecimento consciente sobre essas qualidades. Pode soar pouco realista, mas alguns pacientes meus paralisam quando convidados a fazer algo tão banal quanto elencar suas cinco principais qualidades. Por força do peso das nossas histórias de vida e narrativas pessoais, acessar virtudes que habitam um lugar dentro de nós que se tornou distante e desconhecido é um aprendizado difícil e doloroso. No entanto, a consciência de si próprio é absolutamente necessária para libertar nossas melhores armas do esconderijo onde nos habituamos a guardá-las em total segredo.

Esse lugar capaz de nos libertar dos nossos próprios fantasmas tem geralmente diante dele um vigia implacável, que nos impede a todo custo de nos aproximarmos desses bons conceitos que por direito nos pertencem. Trata-se do nosso sabotador interno, esse cruel e sempre a postos funcionário a serviço do nosso sofrimento, que crê piamente que o lugar mais confortável para nós é aquele que nos mantém inseguros e duvidosos de nossas capacidades. Agindo assim, somos poupados da decepção com o próprio fracasso, pois nessa situação nem ao menos tentamos realizar o que desejamos. O fracasso é um luxo dos que ousam vencer; se não tento conquistar o que desejo, não corro o risco de me decepcionar com o resultado da minha tentativa. Nosso sabotador interno, que a todo o tempo insiste em nos lembrar de nossas falhas e fracassos, verdadeiros ou irreais, não possui a flexibilidade necessária para entender que a inanição é tão ou mais responsável por nosso sofrimento quanto a possibilidade de não conseguirmos conquistar o que gostaríamos para nós.

Nos habituarmos a perguntar a esse sabotador "Isso é mesmo verdade?" pode ajudar a descobrir que essa voz interna muitas vezes exagera ou distorce a realidade. Assim, podemos aprender a contrariar nossa baixa autoestima substituindo pensamentos negativos por afirmações que nos acolhem e validam. Em vez de pensar: “Sou péssimo nisso”, refaça essa ideia, por exemplo, com um “Ainda estou aprendendo e melhorando a cada dia.” Pequenas mudanças na maneira como nos referimos a nós mesmos podem aos poucos impactar o conceito que temos a nosso próprio respeito e sobre nossa relação com o mundo, que em inglês chamamos de mindset.

Quando isso não funcionar, talvez por soar vago, superficial ou simplório demais, temos ainda a autocompaixão como nossa aliada. Esse é outro componente essencial de uma autoestima que esteja a nosso favor. Autocompaixão implica tratarmos a nós mesmos com a mesma gentileza e compreensão que ofereceríamos a um amigo. Assim, quando cometemos um erro, em vez de nos criticarmos duramente, podemos dizer a nós mesmos: “Está tudo bem. Todo mundo erra. O que posso aprender com isso?” Essa abordagem nos permite abraçar nossas imperfeições como parte da nossa condição humana, em vez de vê-las como sinais de falta de valor pessoal.

Faz parte da autoconsciência e da autocompaixão nos darmos o por vezes constrangedor prazer de nos sentirmos felizes com nossas pequenas conquistas do dia a dia. Por que não celebrar cada meta alcançada, por mínima que seja, que nunca havíamos acreditado atingir?

Quando cultivamos nossa autoestima, nos tornamos mais resilientes, assumimos riscos e vivemos cada um dos nossos dias com mais confiança e prazer. Embora a autoestima não elimine todas as angústias humanas, ela nos capacita a lidar melhor com os desafios da vida.

***

Pensando sobre os guerreiros de terracota, sou levado a perguntar quantos de nós, lutando com a baixa autoestima, ignoramos as vastas reservas de força, disciplina e confiança existentes dentro de nós mesmos. Quantos de nós passam pela vida sem saber que temos um exército inteiro pronto para apoiar e proteger uma única pessoa, alguém verdadeiramente singular e especial: você.

Na terapia, assim como na arqueologia, não criamos novas qualidades em nossos pacientes; ajudamos a redescobrir o que já está lá. Camada por camada, desenterramos nossas forças, resiliência e capacidade de amar, criar e viver plenamente.

Assim como cada um daqueles soldados de terracota é único, nós também somos. Cada um de nós tem algo especial a oferecer ao mundo, mas precisamos estar dispostos a cavar mais fundo e descobrir os tesouros que existem dentro de nós.

Seu valor não é definido pela sua aparência, sua renda ou pelo que os outros pensam de você. É algo genuíno, e embora a vida possa às vezes ofuscá-lo, seu valor continua lá, esperando ser redescoberto.

A autoestima não é um ponto de chegada, mas uma jornada. Necessita de tempo, paciência e prática. Quanto mais você a nutrir, mais sua vida a refletirá. Portanto, hoje, encorajo você a valorizar um pouco mais a si mesmo, a falar consigo mesmo com um pouco mais de gentileza, e também a levantar-se um pouco mais em sua própria defesa.

A força que você procura reside dentro de você. Permita-se brilhar.








Crédito da imagem: heckepics / iStock


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