Sparklers
Uma jovem paciente minha descreveu de uma maneira
tão vívida a sensação que a tomava quando, em certas situações, percebia
suas veias como que inundadas violentamente por emoções extremamente intensas. Isso
geralmente acontecia após algum incidente ou um comentário que pareciam surgir
do nada, fosse no ambiente familiar ou na escola. Como ainda era estudante, ela
não saberia dizer como reagiria dentro de um contexto profissional.
Aí decidimos utilizar a ideia de um sparkler
como metáfora para descrever seus rompantes emocionais. Não faço ideia de qual
a tradução disso para o português, mas trata-se daquelas varinhas que a gente coloca
sobre o bolo de aniversário em vez das velinhas comuns e que, quando acesas, queimam
de uma maneira parecida com fogos de artifício. Como esses sparklers, suas
emoções se acendiam e queimavam ferozmente por alguns segundos, de uma maneira completamente
fora do seu controle. Diferentemente das velinhas comuns, uma vez aceso o sparkler
não podia ser apagado com um sopro. E, tal como um deles, minha paciente perdia
sua capacidade de raciocinar e respondia à situação com um verdadeiro ataque de
fúria, do qual já se arrependia em minutos, talvez segundos até. Mas aí já era
tarde demais para reparar o dano causado. A chama queimando antes de chegar à
superfície do bolo muitas vezes dava início a conflitos que ela não conseguia
parar nem reverter, deixando um rastro de mal-entendidos e de momentos desagradáveis.
Quando o fogo finalmente atingia a cobertura do bolo, não dava mais para evitar
o “climão” causado, pois aqueles poucos segundos ardentes geralmente coincidiam
com o início de uma briga sobre a qual ela não tinha mais controle.
Dedicamos então uma consulta inteira para
discutir essa questão. A jornada dela me lembrou da força incrível que é necessária
para enfrentarmos nossas turbulências interiores e buscarmos ser alguém melhor.
Embora, até onde eu saiba, ainda não existam estudos ligando especificamente o
problema da reatividade emocional à Comunicação Não-Violenta (CNV), enquanto
ela falava, tive esse estalo de que aprender a comunicar suas emoções
adequadamente poderia ajudá-la mesmo se a emoção em si parecesse estar fora de
controle. Em outras palavras, embora ela não pudesse escolher não sentir
a emoção, talvez escolher as palavras certas para expressar o que estava
sentindo pudesse diminuir não a intensidade, mas o impacto do que ela dizia
naqueles momentos de explosividade emocional.
Pensamos então na CNV como um meio de capacitá-la
a expressar-se sem agressividade. A ideia era que, com o suporte e as
ferramentas adequadas, associados à medicação atual e à psicoterapia, mesmo as
tempestades emocionais mais “ferozes” poderiam ser administradas, conduzindo-a a
tempo até águas mais calmas e a horizontes mais promissores.
Assim, com base na lição que aprendi com essa
querida paciente, é uma honra estar aqui hoje para discutirmos a associação entre
esses dois temas – reatividade emocional e CNV – de uma forma que possa ressoar
profundamente nas experiências de vida que nós compartilhamos. Em um mundo
frequentemente marcado por conflitos e mal-entendidos, a capacidade de nos comunicarmos
com empatia e compaixão não é apenas uma habilidade a ser aprendida, mas uma
necessidade. Neste post, proponho pensarmos juntos se a ferramenta poderosa da
CNV pode realmente promover harmonia e compreensão nas nossas vidas, assim como
fez em relação à minha paciente.
Vamos começar reconhecendo uma verdade universal:
as emoções são poderosas. Elas são a pulsação da nossa experiência humana,
influenciando nossos pensamentos, ações e relações com os outros. No entanto,
há momentos em que essas emoções, especialmente se muito intensas, como raiva e
frustração, podem se tornar avassaladoras. Todos nós já passamos por momentos
em que nossas emoções explodiram como um vulcão, deixando para trás um rastro
de sentimentos feridos e de relacionamentos destruídos. É nesses momentos que a
prática da comunicação não-violenta (CNV) se torna um farol de transformação e esperança.
A comunicação não-violenta, desenvolvida pelo
psicólogo Marshall Rosenberg, é mais do que apenas um método de comunicação; é
uma forma de ser. Em sua essência, a CNV trata de nos conectarmos conosco
mesmos e com os outros de uma maneira que permita que a nossa compaixão natural
floresça. É um processo que envolve quatro componentes-chave: observação, sensação,
necessidade e propositura. Focando nesses elementos, podemos navegar por nossas
paisagens emocionais e nos comunicar com clareza e empatia.
Imagine, por um momento, uma situação em que você
sinta seu temperamento se intensificando. Isso talvez ocorra durante uma
discussão acalorada com um ente querido ou numa reunião frustrante de trabalho.
Em vez de deixar as chamas da raiva nos consumirem, a CNV nos convida a fazer
uma pausa e observar. Observar significa olhar para a situação
objetivamente, sem o filtro de julgamentos. O que aconteceu? O que você viu ou
ouviu? Este passo é crucial porque separa os fatos das nossas interpretações e
julgamentos. Eu diria que este passo é precisamente o que nos falta quando a
reatividade emocional ainda é algo por dominar.
Em seguida, passamos para a sensação
presente. As emoções são os sinais que nos apontam para nossas necessidades
mais profundas. Ao identificar e reconhecer nossa sensação num dado momento,
criamos uma ponte para entender o que realmente está impulsionando nossa reatividade
emocional. Você está tendo uma sensação de mágoa, desrespeito ou ansiedade?
Nomear essas emoções pode ser uma coisa incrivelmente libertadora e dissolver
em parte a intensidade do momento.
Das sensações, passamos para a necessidade.
Nossas emoções são frequentemente um reflexo de necessidades não atendidas. É
uma constatação profunda entender que, por baixo de nossa raiva ou frustração, há
alguma necessidade humana universal – talvez a de respeito, compreensão ou mesmo
de conexão com o outro. Reconhecer a necessidade implícita ao momento não
apenas nos ajuda a entender melhor a nós mesmos, mas também a fomentar empatia
em relação aos outros. Começamos então a perceber que nossas reações explosivas
também são clamores por necessidades não atendidas.
O passo final na CNV é propormos alguma coisa, ou
seja, fazermos uma propositura. Não se trata de fazermos exigências, mas
sim de expressarmos nossa necessidade de forma clara e respeitosa, convidando o
outro a responder com empatia. Em vez de dizer "Você nunca me
escuta", podemos dizer "Eu me sinto ignorada(o) e preciso saber que a
minha perspectiva também é importante para você. Podemos reservar um tempo para
falar sobre isso?" Ao fazer proposituras, abrimos a porta para um diálogo
construtivo e para a compreensão mútua. Foi particularmente em relação a esse
ponto que sugeri que minha paciente se beneficiaria mais imediatamente da CNV,
já que ela ainda se encontrava em processo de aprendizado acerca das suas
motivações emocionais.
A comunicação não-violenta pode transformar
reações emocionais explosivas ao mudar nosso foco da culpa para a compreensão,
do julgamento para a empatia e do conflito para a conexão com o outro. Ela nos
capacita a quebrar o ciclo da comunicação reativa e criar um espaço onde o
diálogo verdadeiro possa se desenvolver.
Considere o efeito dominó de praticar a CNV na
sua vida. Quando nos comunicamos com compaixão, modelamos esse comportamento também
para o outro. Nossos filhos podem aprender com nosso exemplo, nossos colegas podem
sentir-se mais respeitados e valorizados, e os círculos sociais que frequentamos
podem ser tornar mais coesos e solidários. O impacto de uma pessoa escolhendo
se comunicar de forma não-violenta pode ter um efeito contagiante, criando uma
cultura baseada em compreensão e empatia.
Quero compartilhar outra história que ouvi e que ilustra
o poder transformador da CNV. Uma professora tinha muita dificuldade para lidar
com um aluno em particular. Em vez de continuar reagindo com raiva e punições, essa
professora decidiu começar a aplicar a CNV. Ela passou a observar o
comportamento do aluno isenta de julgamentos, reconheceu sua própria sensação
de frustração e identificou sua necessidade de ter uma sala de aula mais
tranquila e pacífica. Então, ela se aproximou do aluno e expressou suas sensações
e necessidades, e convidou o aluno a compartilhar, ele também, suas sensações e
necessidades. Descobriu assim que o aluno estava lidando com problemas
importantes em casa. Ao abordar com empatia e apoio as questões do aluno, o
comportamento deste melhorou substancialmente e uma relação positiva se estabeleceu
entre ele e a professora a partir de então.
Esta história é um testemunho de que, quando
escolhemos a comunicação não-violenta, não apenas transformamos nossas próprias
respostas emocionais, mas também criamos oportunidades para estabelecer laços profundos
com os outros e remediar situações difíceis.
***
Nos meses que se seguiram, cada vez que minha paciente
querida vinha ao meu consultório, ela mostrava ter aprendido um pouco mais
sobre como se comunicar de uma maneira mais adequada e menos disruptiva com a
CNV. A vida para ela, especialmente em casa, ficou mais leve conforme foi
aprendendo a controlar a forma de expressar suas emoções. Ela ainda está se
aperfeiçoando na arte de dizer a coisa certa antes da chama se consumir por
completo – mas está feliz por perceber a si mesma como alguém que está conseguindo
permanecer no controle da situação. Repito se não é verdade que todos nós já estivemos,
em algum momento da vida, numa situação como a dela?
***
Para concluir, encorajo você a abraçar os
princípios da comunicação não-violenta na sua vida diária. Quando confrontada(o)
com emoções explosivas, reserve um instante para observar sem julgamentos,
identificar as suas sensações do momento, entender sua necessidade presente e
fazer proposituras que se mostrem compassivas em relação a si e ao outro. Ao
fazer isso, você estará plantando um mundo mais empático e harmonioso, dando um
passo de cada vez.
Vamos procurar ser, nós mesmos, aquilo que
desejamos ver no outro, a nos comunicar com gentileza e a abordar uns aos
outros com o entendimento de que, por baixo de nossas emoções, há necessidades
universais que nos conectam, reciprocamente. Juntos, podemos transformar nossos
conflitos em oportunidades de crescimento e construir um futuro governado pela
empatia e pela compaixão. Não é simples, mas pensar a respeito pode ser um
começo.
Para aprender sobre a CNV, fica meu convite para você
ler Comunicação não violenta: Técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais e outros títulos de Marshall B. Rosenberg.
Crédito da
imagem: Prasong Takham / iStock
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