Tempo, tempo, mano velho
(Pink Floyd, "Time")
Tic-tac, tic-tac, tic-tac... Você fez alguma coisa útil ou agradável nos últimos segundos? Desde hoje de manhã? No ano passado? Ou, olhando para trás, você percebe que desperdiçou um tempo precioso e também irrecuperável?
O tempo – a única coisa que compartilhamos,
mas que muitas vezes parece ilusória. Cada “tic” do relógio nos lembra que o
tempo não espera ninguém. A maneira como você gasta o seu tempo revela não
apenas como você administra os momentos que possui, mas como você gerencia a
própria vida. A vida, esse bem precioso e passageiro que possuímos e que pode
ser usada de tão variadas maneiras.
O tempo, como uma dimensão fundamental da
nossa existência, sempre foi uma fonte de perplexidade e também de preocupação
para a humanidade. É tanto um mistério quanto uma certeza. Nossa compreensão do
tempo molda nossa percepção da vida e do nosso lugar no universo; o tempo
abrange questões existenciais, mesmo que, a princípio, não estejamos totalmente
conscientes da sua poderosa influência.
De fato, a maioria das nossas angústias,
arrependimentos e preocupações na vida estão intimamente ligadas ao tempo, quer
o papel deste em tais dificuldades seja evidente ou não. Muitas vezes, sentimos
culpa, tristeza ou ressentimento por não realizarmos algo, por não termos
lidado melhor com as pessoas quando tivemos a chance, ou por não agirmos a
tempo para evitar alguma experiência negativa. Há momentos em que nos
arrependemos de não ter tido tempo suficiente para desfrutar ou para aprender
algo, ou para estar com alguém, o que nos conduz a sentimentos como a
frustração. Também ficamos preocupados por não ter tempo suficiente para nos
preparar para desafios futuros ou para dificuldades que podem durar por mais tempo
do que conseguimos lidar. O tempo influencia a maior parte das facetas da vida,
estejamos conscientes disso ou não. Para muitos, a passagem do tempo, ou a
falta dele, é a raiz dos problemas fundamentais.
Assim, o tempo é a verdadeira, ainda que
intangível, essência da vida. Como o usamos – ou desperdiçamos – reflete como
vivemos nossas vidas e o quão bem-sucedidos somos em projetar e em construir o
futuro que desejamos para nós e para o mundo ao redor. O tempo molda nossa
rotina, nossos objetivos e nossas relações. Ele serve como referência de quando
e como devemos atender ao chamado dos nossos desejos mais profundos. Ele também
abrange as tarefas que devemos realizar e as lições que precisamos aprender vida
afora. Muitas vezes, lamentamos os momentos perdidos, as ocasiões nas quais
deveríamos ter feito alguma coisa, mas não estávamos prontos e as grandes oportunidades
perdidas.
A passagem do tempo traz consigo a nítida consciência
da nossa própria mortalidade. Essa consciência pode nos conduzir a uma espécie de
ansiedade existencial, ao lutarmos contra a natureza finita da vida. Filósofos
existencialistas como Jean-Paul Sartre e Albert Camus enfatizaram a importância
do tempo na busca por sentido. Em um universo a rigor indiferente à existência
humana, a passagem do tempo obriga as pessoas a criar seus próprios significados
e valores de vida. Isso corresponde a um fardo e, ao mesmo tempo, uma
liberdade, pois coloca diretamente sobre os nossos ombros a responsabilidade
por uma vida repleta de sentido.
A natureza fugaz do tempo nos impele a buscar
significado e propósito também em nossas ações e relacionamentos, demandando
nossos esforços e nossa criatividade. Nossa identidade encontra-se intimamente
ligada às nossas memórias, por sua vez intrinsecamente conectadas com a
passagem do tempo. À medida que acumulamos experiências, nosso passado informa
nosso presente, moldando nossas crenças, valores e comportamentos. No entanto,
a falibilidade da memória também acaba por levantar dúvidas quanto à
confiabilidade das nossas narrativas e à constância da nossa identidade ao
longo do tempo.
Muitos de nós nos sentimos sobrecarregados
pelas demandas da vida diária, constantemente correndo atrás do tempo, nunca
sentindo que este é suficiente. Essa busca implacável aumenta nossa ansiedade,
criando um paradoxo pelo qual os próprios esforços para gerenciarmos o tempo
acabam exatamente nos impedindo de desfrutar a vida ao máximo possível.
Entender como utilizar o tempo a nosso favor
pode levar a uma importante autorreflexão e ao nosso crescimento como pessoas.
Como percebemos e gerenciamos o tempo afeta profundamente o nosso bem-estar e a
nossa felicidade. É por isso que o nosso tema de hoje será refletir como a
psicoterapia pode nos ajudar a navegar pela passagem do tempo, possibilitando
uma vida mais rica e gratificante.
Eu escutava "Time" do Pink Floyd
quando era (bem) mais jovem. Na verdade, ainda ouço de vez em quando. Na minha forma
de ver as coisas, eles estão totalmente corretos quando dizem, na letra da
música, que quando se dá conta você "descobre que dez anos ficaram para
trás". Acredite em mim, meu amigo, a vida realmente passa rápido. Quando
isso acontece, você deseja voltar e viver aqueles anos novamente, só que de uma
maneira melhor, talvez mais sábia. Você percebe também que "ninguém te
disse quando começar a correr", significando que não havia ninguém para te
guiar sobre o que você deveria fazer num dado momento ou no que viria depois.
Ninguém te ensinou como passar o tempo de uma maneira que você não se
arrependesse depois.
As pessoas muitas vezes oscilam entre o
arrependimento pelo passado e a antecipação do futuro. Essa relação dinâmica
com o tempo leva a sentimentos de nostalgia, remorso, esperança e ansiedade.
Refletir sobre as escolhas do passado e seus impactos pode favorecer o
crescimento pessoal, enquanto um pensamento orientado para o futuro é um fator
que impulsiona as ambições de vida e o planejamento. Equilibrar essas
perspectivas no tempo é essencial para o nosso bem-estar emocional.
E é aí que a psicoterapia entra. Ela nos
oferece maneiras de recuar, refletir e realinhar a nossa relação com o tempo. Na
sua essência, a psicoterapia trata de nos fazer entender melhor nossas
motivações, isto é, as razões que desconhecemos para as nossas escolhas,
desejos e conflitos. Ela oferece um espaço seguro para explorarmos nossos
pensamentos, sentimentos e comportamentos, conseguindo obter insights
sobre como experienciamos todos os aspectos da vida: relacionamentos,
inseguranças, valores, trabalho, amizades e outros. Administrar todos esses
aspectos requer tempo e aprendizagem de como distribuir esse mesmo tempo entre
as coisas boas que, em conjunto, formam o mosaico da vida. Se observarmos bem
de perto, a maioria de nossas preocupações depende ou está relacionada ao
tempo.
A psicoterapia aborda as crenças subjacentes
que alavancam determinados padrões de comportamento, como por exemplo o
perfeccionismo, ajudando-nos a desenvolver padrões mais saudáveis, para termos
mais tempo livre e reduzirmos o estresse. Ela também lida com a procrastinação,
entendendo suas raízes emocionais e cognitivas, direcionando-nos para um uso
mais eficaz do tempo. A terapia torna claros quais são nossos valores e
prioridades, garantindo atividades que façam sentido, estabelecendo limites e
focando nas obrigações que tenham algum propósito. Nos ajuda a gerenciar melhor
o tempo e a enfrentar a passagem deste, possibilitando um espaço para processarmos
sentimentos sobre o passado e o futuro e nos encorajando a abraçar o momento
presente. Mudanças tecnológicas e sociais impactam nossa percepção do tempo, requerendo
que nos adaptemos continuamente. Uma das maiores dádivas da psicoterapia é o
cultivo da autocompaixão, transformando nossa relação com o tempo,
permitindo-nos tratar a nós mesmos com gentileza, descansarmos e comemorarmos
sucessos, criando uma vida cheia de suportes e cuidados.
A terapia pode nos ajudar a identificar o que
realmente nos traz felicidade e nos guiar a incorporá-la em nossa rotina
diária. Ela nos ensina a importância de equilibrarmos nosso prazer do momento presente
com as obrigações futuras. Ao nos encorajar a contrabalançar obrigação e prazer,
a terapia nos permite escolhas mais ponderadas sobre o que continuar fazendo e
o que deixar de lado. Isso nos ajuda a alinhar nosso futuro idealizado com a
realidade do tempo que efetivamente temos. Em última análise, a vida requer que
nos conectemos com nosso próprio senso de equilíbrio na maneira como dividimos
o nosso tempo.
Como estamos falando sobre o tempo hoje, ainda
temos espaço para falar um pouco sobre a atenção plena (mindfulness). Essa
é uma técnica poderosa que utilizamos em psicoterapia. A atenção plena é a
prática de estarmos totalmente presentes nesse exato momento, sem
julgamentos. Ela nos ajuda a nos libertar do fluxo constante de pensamentos
sobre o passado e o futuro, permitindo-nos experimentar o aqui e agora. Por
meio da atenção plena, podemos experienciar o tempo de modo mais rico,
percebendo a beleza dos momentos cotidianos, sentindo-nos plenamente vivos e
cultivando um senso profundo de gratidão. Tradições filosóficas e espiritualistas
como o Budismo também enfatizam a importância de vivermos no momento presente.
A prática da atenção plena encoraja as pessoas a experimentar plenamente o
"agora", reduzindo o sofrimento causado por se fixarem no passado ou
se preocuparem em demasia com o futuro. Esse foco no presente pode conduzir a
uma maior contemplação da vida e ao significado profundo de paz.
Finalmente, a psicoterapia nos convida a
refletir sobre o legado que desejamos dar ao mundo quando partirmos. Ela nos
encoraja a pensar como queremos ser lembrados e quais contribuições queremos deixar
para o mundo. À medida que o tempo avança, aumenta o nosso desejo de deixar uma
marca duradoura no que encontramos por aqui. Ao alinharmos nossas ações diárias
com nossos valores e objetivos de longo prazo, podemos criar uma vida que seja
a um tempo significativa e impactante. Seja através de atos de bondade,
empreendimentos criativos ou trabalho que faça a diferença, podemos fazer com
que nosso tempo nesse plante tenha valido a pena.
Para concluir, acho que o tempo é tanto um
presente precioso quanto um recurso finito. Na minha experiência, a qualidade
de nossas vidas e o legado que deixamos por aqui são moldados pela maneira como
escolhemos gastar o nosso tempo. Pela psicoterapia, podemos desenvolver uma
relação mais saudável e gratificante com o tempo. Podemos aprender a administrá-lo
com sabedoria, saboreá-lo plenamente e usá-lo de maneiras que reflitam nossos
valores e aspirações mais profundos.
***
Há também uma outra música, chamada
"Sobre o Tempo", da antiga banda brasileira de indie pop Pato
Fu. Ela diz: "Tempo, tempo, mano velho, falta um tanto ainda eu sei
pra você correr macio." Essa frase quer dizer que leva tempo para
finalmente entendermos o tempo, tanto em sua preciosidade quanto em sua
efemeridade.
Vamos abraçar cada momento com atenção plena e
gratidão. Vamos priorizar o que realmente importa e, ainda, encontrar espaço
para a alegria e o descanso e para estarmos juntos com aqueles que são
importantes para nós.
Vamos nos tratar com compaixão e gentileza,
sabendo que somos dignos de uma vida equilibrada e significativa.
E, acima de tudo, vamos lembrar que cada momento é uma oportunidade única para vivermos de forma plena e autêntica.
Crédito da imagem: o autor
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