Eu sou uma fraude
Você já se pegou dizendo isso? Se sim, o post de hoje é para você.
Sentir-se uma
fraude tem um nome: Síndrome do Impostor. Esse fenômeno foi descrito pela
primeira vez em 1978 pelas psicólogas Pauline Clance e Suzanne Imes quando estudavam profissionais femininas de alta performance. Elas descobriram que a
raiz desse sentimento geralmente estava relacionada com dois perfis familiares.
O primeiro abrangia mulheres com algum parente próximo que consideravam mais
inteligente que elas. O segundo envolvia mulheres que eram altamente elogiadas pelos
pais ao longo de sua trajetória acadêmica, até começarem a questionar as
percepções deles e, principalmente, as suas próprias.
Nos anos 1970,
enquanto as mulheres aspiravam por emancipação e qualificação profissional, as
pesquisadoras descobriram que manter a percepção de si mesmas como menos
inteligentes permitia que essas mulheres enfrentassem menos rejeição social. Em
outras palavras, sentir-se uma fraude lhes proporcionava uma espécie de rede de
segurança social, permitindo aceitação em ambientes onde mulheres poderosas e
assertivas ainda não eram totalmente bem-vindas. Na área da saúde mental,
chamamos esse tipo de troca de "ganho secundário" – a ideia de que desenvolver
certos sintomas psíquicos pode trazer algum tipo de vantagem ao indivíduo.
Sentir-se uma fraude, apesar do sucesso profissional, ajudava essas mulheres a serem socialmente aceitas em um momento em que tal aceitação era imperiosa.
Pulando para o ano
de 1991, os pesquisadores John Kolligian Jr. e Robert Sternberg sugeriram uma
perspectiva diferente para o problema. Propuseram que indivíduos com a Síndrome
do Impostor têm autocrítica muito alta e se tornam ansiosos diante das
avaliações feitas pelas outras pessoas. Essa ansiedade os levaria a se destacar
e alcançar excelentes resultados em seus projetos. Para reduzir a possibilidade
de exposição e diminuir a ansiedade, eles monitorariam constantemente seu
comportamento e as impressões que deixam, o que pode contribuir para que os
outros os vejam como inseguros. Do meu ponto de vista, ser percebido como
inseguro não explica o sentimento de ser uma fraude tão bem quanto a teoria do
ganho secundário. No entanto, questionar constantemente a imagem que se projeta
para o mundo certamente desempenha um papel importante nessa condição de sentir-se
uma fraude.
No artigo
"Impostorismo e perfeccionismo desadaptativo na formação médica: uma
revisão à luz da Terapia Cognitivo-Comportamental", Priscila Palma e eu demonstramos como os
estudantes universitários podem se deparar com o impostorismo quando enfrentam
os desafios de iniciar seus estudos universitários. Isso pode levar à sensação
de que não merecem estar ali e de que as habilidades exigidas estão além de
suas capacidades, especialmente em ambientes altamente competitivos. O ganho
secundário aqui? Proteção da família, amigos e professores, que reconheceriam
que esses alunos fizeram o seu melhor, apesar dos enormes desafios enfrentados.
Hoje já é bem
estabelecido que comportamentos podem influenciar pensamentos e sentimentos, e
vice-versa. Uma vez ouvi falar de uma brasileira que havia sido aceita em um programa de
pós-graduação no MIT e que, naquele momento, provavelmente passou a sofrer de Síndrome do
Impostor, sentindo-se inadequada e indigna de tal conquista. Sua solução? “Fake
it till you make it” (finja até conseguir).
De fato, "fake
it till you make it" é uma frase popular que sugere que adotar
comportamentos, atitudes e expressões associadas a um resultado ou papel
desejado pode ajudá-lo a alcançar seus objetivos. Há, é claro, abordagens mais convencionais, mas esta também encontra
raízes e explicações em vários conceitos da Psicologia. Um conceito-chave é a
teoria da autopercepção, proposta pelo psicólogo Daryl Bem. Essa teoria sugere
que as pessoas inferem suas atitudes e sentimentos a partir de seu
comportamento. Então, se você agir com confiança, pode começar a se perceber
como mais confiante. Isso implica que, ao "fingir" um comportamento
desejado, você pode mudar suas percepções internas e sentimentos e com o tempo começar
a se alinhar com o que esse comportamento representa.
A dissonância
cognitiva, desenvolvida por Leon Festinger, também apresenta uma explicação
para a ideia de “fake it till you make it”. Essa teoria postula que os
indivíduos experimentam desconforto quando mantêm crenças, atitudes ou
comportamentos conflitantes. Para reduzir esse desconforto, eles são motivados
a mudar suas crenças ou comportamentos em busca de coerência interna. Quando
você "finge" um comportamento inconsistente com sua autovisão, o
desconforto resultante pode motivá-la ou motivá-lo a adotar genuinamente o comportamento
para aliviar aquele desconforto.
Em termos de
ativação comportamental, técnica frequentemente utilizada pela Terapia Cognitivo-Comportamental
(TCC), fingir até conseguir envolveria engajar-se em comportamentos
alinhados com os resultados ou emoções desejados. Agir de determinada maneira poderia
influenciar seu estado emocional e o seu bem-estar mental. Agir com confiança,
por exemplo, poderia levar a melhorias no humor e na autoeficácia, reforçando o
comportamento desejado.
A teoria da
aprendizagem social de Albert Bandura enfatiza o papel da observação e imitação
na aprendizagem de novos comportamentos. Ao modelar os comportamentos de
indivíduos bem-sucedidos ou confiantes, você pode aprender a adotar esses
mesmos comportamentos. Além disso, engajar-se em comportamentos positivos pode
levar a feedbacks positivos por parte das outras pessoas, criando um ciclo de outros feedbacks positivos. Por exemplo, agir com confiança poderia resultar em
interações sociais positivas, o que, por sua vez, aumentaria a sua autoconfiança.
Esse "fingimento" inicial poderia criar um ciclo virtuoso, onde o
comportamento desejado seria reforçado positivamente pela resposta favorável
das pessoas ao seu redor e se tornaria cada vez mais natural ao longo do tempo.
Alguns exemplos práticos do que eu disse até aqui: uma pessoa nervosa antes de falar em público pode "fingir" confiança mantendo uma postura ereta, fazendo contato visual com a plateia e falando assertivamente. Com o tempo, esses recursos poderiam ajudar a reduzir a ansiedade em momentos semelhantes e a alcançar uma confiança genuína. Da mesma forma, uma pessoa iniciando num novo emprego poderia "fingir", por uma postura adequada, transmitir expertise e determinação, o que a auxiliaria a ganhar conhecimento e experiência reais, em algum momento percebendo-se como uma pessoa realmente detentora daquelas qualidades profissionais. Nem sempre é tão fácil, eu sei o que você acabou de pensar.
De qualquer maneira, é importante buscar autenticidade. Fingir constantemente ser algo que você não é pode levar a estresse e burnout. Além disso, é crucial garantir que "fingir" não leve a comportamentos antiéticos, como mentir sobre qualificações ou habilidades. Em resumo, "faking till you make it" aproveita vários princípios da Psicologia para ajudar as pessoas a adotarem comportamentos e atitudes desejados, levando, em última análise, a uma mudança para melhor e também mais genuína.
Em 2018, uma
análise evolutiva da Síndrome do Impostor realizada por Jennifer Barrow identificou
fatores que favorecem a condição, incluindo traços de personalidade, locus
de controle (a quem a pessoa tende a atribuir a causa dos seus erros – aos outros
ou a si própria), dinâmica familiar, ambiente de trabalho e fatores
sociodemográficos, como ser imigrante ou outra minoria com a qual se identifique
de uma maneira negativa. Os fatores de proteção incluiriam uma relação de cuidados
e carinho por parte dos pais, ser casada(o), ter uma identidade positiva como parte de uma determinada minoria social, a sensação de não estar sozinho(a) ao enfrentar
sentimentos de impostorismo, experiência profissional e longevidade dentro da
carreira profissional.
Se você se vê em alguma dessas situações, esteja ciente de que sentir-se uma fraude pode ser mais complexo e impactante no seu contexto de vida do que você imagina. Também é importante lembrar que enfrentar os desafios da vida nunca é algo fácil. Sentimentos de inadequação podem estar presentes sem necessariamente nos tornarem doentes. Ser compassiva(o) consigo mesma(o) pode ajudar a navegar pelas dificuldades da vida de uma maneira mais eficaz. Além disso, o paciente possui à sua disposição uma miríade de abordagens psicoterapêuticas para ajudá-lo com esta e também com outras questões, por mais que ele consiga "fake it" com sucesso.
Caso queira fazer uma leitura mais aprofundada sobre este tópico, fique à vontade para baixar meu artigo aqui.
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Espero que seus erros e
medos tornem você uma pessoa mais forte.
E que você consiga ser a melhor versão possível de si mesma ou de si mesmo.
Crédito da imagem: Ferran Traité / iStock
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