Como você escolheu envelhecer?

Vou ficar devendo o crédito de quem me contou sobre esse gatinho que era visto todos os dias, por horas a fio, a contemplar um jardim nas redondezas de onde vivia. Não importa quantas vezes já teria ido até lá, cada manhã era como se fosse a primeira. Sempre que lembro disso, me vem à mente a imagem desse animalzinho ensaiando seus passos graciosos sobre a relva ainda um pouco umedecida pelo orvalho da madrugada, mas já tomada de um verde saudável, luminescente sob o sol da manhã. Imagino as patinhas da frente esticadas para sentir a grama, a cabeça delicada virando-se para lá e para cá, com suas orelhinhas perfeitas em posição de radar, todos os dias explorando com curiosidade festiva exatamente a mesma cena e o mesmo jardim. Às vezes, penso nele brincando com alguma borboletinha de asas coloridas que também passeia por ali. Aparentando – segundo a descrição empolgada desse meu interlocutor cuja identidade perdeu-se no tempo – encantar-se a cada manhã com a mesma paisagem. Com seus olhos livres de pré-julgamentos e transbordantes de energia vital, absorvendo cada milímetro daquele jardim. Respondendo com seus sentidos felinos aos estímulos abundantes daquele ambiente. Reserve essa metáfora de juventude que me foi presenteada para podermos utilizá-la um pouco mais adiante, quando refletirmos juntos sobre o envelhecimento.

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Envelhecer. Derradeiro e natural ciclo da vida humana e de todos os seres biológicos. Etapa inevitável do processo da vida que, se tivermos sorte, antecede imediatamente o morrer.

Não nos lembramos com muita frequência que podemos nos tornar velhos a qualquer idade, mesmo quando ainda temos muito tempo de vida pela frente. E o inverso também é verdadeiro: podemos nos manter joviais mesmo habitando um corpo que já carrega consigo as marcas do tempo. Então vamos conversar um pouco sobre ser velhos. Não idosos, mas velhos. Não só física, mas também mentalmente.

Do ponto de vista biológico, o processo de envelhecimento é complexo e multifatorial, ou seja, tem diversas causas. Nós médicos costumamos dizer que envelhecer implica a perda das reservas funcionais do organismo. Um corpo jovem consegue dar conta da demanda diária e garantir seu funcionamento ótimo mesmo sob eventos estressores, como um trauma ou uma infecção, sustentando um estado de equilíbrio ou homeostase. Com o tempo, essas reservas vão se esgotando e o corpo começa a trabalhar mais próximo do seu limite, buscando atender às demandas metabólicas e dos ambientes interno e externo. Em um determinado ponto, passa a satisfazer àquelas necessidades cada vez mais parcialmente, até o total esgotamento das reservas que mantinham o sistema fisiologicamente ativo.

Claro, nada impede que trabalhemos ao longo da vida para envelhecermos com as nossas funções vitais num nível que satisfaça perfeitamente todas as nossas necessidades, apesar da passagem do tempo.

E é aqui que proponho um neologismo: “olding” – isto é, envelhecer com qualidade, amadurecer – em contraposição a “aging” – o envelhecimento propriamente dito, como processo de perda gradual das reservas funcionais, moleculares, celulares ou sistêmicas, físicas ou mentais, individuais ou sociais.

Enquanto aging, nesse sentido, corresponderia ao impacto do tempo nos processos biológicos ou nas funções mentais e sociais que deles dependem, a ideia de olding, por outro lado, nos levaria a focar nos aspectos sociais, culturais e psicológicos da passagem do tempo não apenas no organismo, mas na pessoa como um todo. Essa análise abrangeria como a sociedade e os indivíduos interpretam e vivenciam esse processo, incluindo mudanças no status social, nas relações interpessoais e nas percepções de identidade e propósito na vida.

Independentemente da sua idade cronológica, como você escolheu envelhecer? 



A velhice, sabemos, é um tabu. Especialmente quando a encaramos como aging. Não é difícil compreender por que ninguém deseja envelhecer. Viver em um corpo envelhecido é algo temido, senão repudiado, pela maioria de nós. Nosso ideal de beleza está associado a uma pele lisa, firme e com aparência jovial. Cabelos grisalhos denotam o anacronismo de nossa existência. E perder nossas reservas funcionais, então? Simplesmente humilhante.

Mas se essas mudanças refletem o processo de aging, o que o diferenciaria do olding? Vou lhe poupar de uma longa e enfadonha digressão para pular direto para a resposta, suscetível a todo tipo de crítica, mas a melhor a que cheguei: a capacidade de interagir com o mundo ao redor. No nível orgânico, o envelhecimento corresponde, como vimos, à perda das reservas funcionais; no nível mental, isso não é diferente. Para a mente, as reservas perdidas para o tempo, caso não façamos nada para impedir sua ação, são as da nossa capacidade de realizar trocas com o que nos circunda. Essas interações, às quais me refiro como trocas simbólicas, são as que nós humanos, mentes abstratas funcionando sobre cérebros concretos, realizamos o tempo todo sem nos darmos conta que são elas que nos proporcionam a sensação de estarmos vivos psiquicamente.

Biologicamente, nossas células realizam trocas com o restante do organismo para manter ativas suas funções vitais. Mentalmente, mantemos vivas nossas funções psíquicas da mesma maneira que o gatinho desperto e entusiasmado do início da nossa conversa responde aos estímulos do ambiente externo: interagindo com ele.

Acredito que temos aqui um conceito bom para trabalhar. O velho, nessa concepção, é aquele que deixou de interagir com o mundo. Não que não mantenha qualquer forma de contato com o ambiente, mas que deixou de se abrir de tal maneira que pudesse surpreender-se com os estímulos ao seu redor e, a partir disso, renovar a qualidade das trocas simbólicas realizadas com o meio externo. Essas trocas simbólicas são tão essenciais à vida mental quanto as trocas gasosas – gás carbônico por oxigênio – são indispensáveis à vida das células.

O velho de qualquer idade – aged – é aquele que, devido a alguma experiência mal processada ou a uma falta inata de recursos para viver sua vida tal como ela é, está preso às suas próprias experiências, demasiado preocupado com seu mundo interno para se envolver com qualquer outra coisa que não seja ele próprio. Ele apenas reproduz, repetidamente, o mesmo sistema de pensamento, as velhas formas de reagir emocionalmente aos fatos da vida, e a mesma expectativa, em geral negativa, em relação ao outro. Ele se limita a repetir o mesmo conteúdo, sem modificá-lo ou modificar-se, sem revê-lo ou rever-se, sem arejá-lo ou arejar-se. Em outras palavras, não se surpreende mais com o que vê. Interpreta o mundo sempre da mesma maneira. É incapaz de imaginar o antigo como algo novo e, por isso, tende a responder a tudo com o mesmo script gasto que um dia já lhe foi útil.

Por sua vez, o jovial de qualquer idade – o olded – apoia-se na experiência já vivida, mas não repete os roteiros de antes. Ele percebe o mundo e se conecta com as pessoas de maneira aberta, disposto a aprender novas formas de interpretar o que percebe e a apresentar novos padrões de comportamento, ou seja, novas maneiras de responder a estímulos. Costumam ser pessoas genuinamente interessadas no que os outros pensam, sentem e vivenciam, ficando felizes em descobrir o lado bom de cada acontecimento e, diante de problemas, em buscar soluções criativas, sejam eles novos ou antigos. Gatinhos no jardim.

A minha "recomendação médica” é bem simples: cuide. Independentemente da sua idade cronológica, cuide com o número de vezes em que você fala mais do que ouve numa conversa com outra pessoa. Diálogos não são monólogos. Não fique falando como se tudo ocorresse apenas em volta de você, como se os outros não tivessem sua própria opinião, vontade ou assuntos. Interaja, escute, pergunte coisas que não seja sobre você mesmo e tenha interesse real pela resposta que será dada.

Cuide com sua tendência a concluir que, quando se percebe só, é apenas porque as pessoas com quem se importa não desejam lhe dar atenção. Cuide com a ideia de achar que não pode fazer novos amigos, que as relações verdadeiramente boas são apenas aquelas que já não existem mais. Cuide com sua inclinação a pensar que as soluções que já serviram no passado sejam os únicos remédios que funcionam para você. Ou, mais triste ainda, que absolutamente nada mais funciona para você. Cuide com sua incapacidade de nutrir expectativas em relação à possibilidade de mudança positiva nos outros, e também no mundo. Cuide com sua resistência a entender a nova música, os novos comportamentos, os novos problemas do mundo, os desafios das novas gerações, a esperança e a desesperança dos seus conhecidos. Cuide para que a sua referência de "bom" e "mau" não sejam apenas os padrões rígidos que você criou ao longo da sua história pessoal para separar a realidade entre o que presta e o que não presta em vez de integrá-la. Não fique tão preso às suas próprias opiniões a ponto de não enxergar alguma razão de ser para os argumentos das pessoas política ou ideologicamente diferentes de você ou cuja etnia, contexto cultural, religião ou time de futebol sejam diferentes do seu. E não me faça incluir na lista a questão das inúmeras formas de expressão da sexualidade.

Cuide com o tempo, porque desperdiçá-lo é a maior evidência do descompasso entre um modo disruptivo de existir e a preciosidade da vida.

Tenho pacientes idosos, um deles nonagenário, que estão longe de serem apenas velhos. Tenho pacientes com corpos cansados, doloridos, mas com almas ainda estabelecendo plenamente trocas com o mundo, mesmo ostentando as cicatrizes colecionadas pelos caminhos da vida.

Espero que, ao longo da vida, você se abra diariamente para absorver a beleza do mundo e se encante com ela como se cada dia fosse o primeiro. Desejo a você uma vida plena de maravilhamento e de sentido, na qual cada novo dia lhe traga novas descobertas. Desejo que você viva muitos anos intensos, que tenham realmente valido a pena ser vividos.

Desejo que você se torne um idoso saudável e feliz, que nunca se identifique com ser velho. Desejo que você siga estabelecendo trocas consigo mesmo, com as pessoas e com o mundo, relacionando-se com um olhar de compaixão e pureza sobre todos os seres.

Espero que você envelheça lindamente, sem jamais perder o interesse ou o entusiasmo pela vida.

Desejo que você viva verdadeiramente até o último instante.









Crédito da imagem: o autor

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